Conselheira tutelar diz que jovem morto por leoa enfrentava abandono
Gerson de Melo Machado cresceu sem apoio familiar, viveu em extrema vulnerabilidade e teve diagnóstico tardio
Publicado: 30/11/2025, 22:32

A morte de Gerson de Melo Machado, de 19 anos, conhecido como “Vaqueirinho”, após invadir a jaula de uma leoa em João Pessoa (PB), neste domingo (30), expôs uma trajetória marcada por pobreza extrema, transtornos mentais não tratados e abandono familiar. A conselheira tutelar Verônica Oliveira, que o acompanhou durante oito anos, diz estar “arrasada.”
Ao Metrópoles, ela contou que Gerson, um jovem que cresceu sem apoio familiar e em condições severas, tinha o sonho de ir à África para “domar leões”. “Foi uma criança que sofreu todo tipo de violação de direito. Filho de uma mãe com esquizofrenia, com avós também comprometidos na saúde mental, vivia numa pobreza extrema”, relata.
A primeira vez que Verônica o viu, Gerson tinha apenas 10 anos. Na ocasião, ele foi levado pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) ao Conselho Tutelar, depois de ser encontrado andando sozinho em uma BR. Desde então, passou a integrar a rede de proteção da infância.
A mãe perdeu o poder familiar há anos, segundo ela, mas continuava sendo procurada pelo jovem. “Ele, embora estivesse destituído, amava a mãe e sonhava que ela conseguisse cuidar dele. Evadia do abrigo e ia direto para a casa da avó e da mãe”, conta
Ainda assim, a mãe, diante da condição mental, não conseguia assumir os cuidados do filho. “Ela muitas vezes foi levá-lo ao conselho e dizia que não era mais mãe dele e queria devolvê-lo. Ela também é vítima da mente doente.”
Dos irmãos, Gerson foi o único que não conseguiu uma família adotiva. “Justamente por ter possível transtorno. A sociedade quer adotar crianças perfeitas, coisa impossível dentro do acolhimento institucional, onde só chegam diante de negligência extrema”, afirma.
Sonho de “domar leões”
Desde pequeno, ele repetia o desejo de viajar para a África e “domar leões”. Verônica conta que o sonho foi mencionado por ele diversas vezes nas conversas no Conselho Tutelar.
Em uma das situações mais graves, o adolescente tentou acessar um avião clandestinamente, episódio relatado por ela nas redes sociais.
“Você dizia a mim que ia pegar um avião para ir para um safari na África para cuidar dos leões. Você ainda tentou, mas agradeci a Deus quando fui avisada pelo aeroporto que você tinha cortado a cerca e tinha entrado no trem de pouso do avião da Gol. Dei graças a Deus, porque observaram pelas câmeras que havia um adolescente, antes que uma desgraça acontecesse”, escreveu.
Para Verônica, a tragédia deste domingo encerra uma vida marcada por desamparo. “A história dele é a de um menino que só queria conhecer a África para domar leões. Percebeu tarde demais que a leoa não era uma gata e que não conseguimos domá-la sem conhecimento. Mas ele não tinha juízo suficiente para isso”, lamentou.
Diagnóstico só veio na adolescência
Verônica afirma, ainda, que o Conselho Tutelar tentou intervir durante anos. “Por oito anos, tudo que o conselho podia fazer foi feito.” Mesmo assim, os transtornos de Gerson só foram reconhecidos oficialmente quando ele entrou no sistema socioeducativo.
“Gerson era visivelmente uma criança com transtornos graves, mas precisou chegar no sistema socioeducativo para que fosse diagnosticado”, relata.
Ela lembra de debates recorrentes com profissionais de saúde mental. “Eu mesma tive discussões terríveis durante o estudo de caso, porque não aceitava o parecer da psiquiatra do Complexo Psiquiátrico Juliano Moreira, que afirmava que ele só tinha problema comportamental.”
O caso
Em nota oficial, a Prefeitura de João Pessoa informou que o homem “escalou rapidamente uma parede de mais de 6 metros, passou pelas grades de segurança, usou uma árvore como apoio e entrou no recinto da leoa”.
A administração municipal declarou que já iniciou a apuração das circunstâncias do caso, manifestou solidariedade à família da vítima e reafirmou que o zoológico segue todas as normas técnicas e de segurança.
A Polícia Militar e o Instituto de Polícia Científica da Paraíba (IPC) foram acionados para realizar os procedimentos cabíveis. O zoológico foi imediatamente fechado após o ataque, e as visitas foram suspensas. Ainda não há previsão para a reabertura.
Com informações de: Metrópoles.





















