Coluna Fragmentos: Secos & Molhados | aRede
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Coluna Fragmentos: Secos & Molhados

A coluna ‘Fragmentos’, assinada pelo historiador Niltonci Batista Chaves, publicada entre 2007 e 2011, retorna como parte do projeto '200 Vezes PG', sendo publicada diariamente entre os dias 28 de fevereiro e 15 de setembro

Publicidade da casa Samy & Cia., publicada no JM de 08 de abril de 1960
Publicidade da casa Samy & Cia., publicada no JM de 08 de abril de 1960 -

João Gabriel Vieira

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Até meados do século XX a economia paranaense estava assentada na extração, industrialização e comercialização da erva-mate. Além desse produto, a exploração da madeira, a produção de pequenas lavouras de trigo, a criação de gado e a mineração (no litoral e no rio Tibagi) completavam o quadro econômico estadual. Nesse mesmo período, Ponta Grossa – que despontava como maior cidade e principal centro comercial do interior do Paraná – teve na atividade comercial um dos seus suportes econômicos.

Projetaram-se na cidade tanto os grandes armazéns atacadistas (que atendiam as demandas do interior paranaense) quanto as requintadas casas comerciais que disponibilizavam produtos de diversas naturezas para a população local. Para tanto, foi determinante o fato de Ponta Grossa ocupar o papel de principal entroncamento ferroviário do sul do país. Os empórios, os armazéns, as vendas, as mercearias e os secos & molhados se tornaram estabelecimentos típicos daquele período.

Comuns não só em Ponta Grossa como nas demais cidades brasileiras, tais casas comerciais cumpriam importante papel no sentido de suprir as necessidades gerais das pessoas, vendendo gêneros das mais diferentes espécies: alimentos, utensílios domésticos, tecidos, artigos a granel, porcelanas, produtos químicos, joias, perfumes e até as novidades tecnológicas da época como os gramofones, as máquinas fotográficas e de escrever. 

Em Ponta Grossa os registros mais antigos sobre a existência de tais estabelecimentos datam da primeira metade do século XIX. De acordo com as fontes históricas, foi em 1840 que José Pedro da Silva Carvalho fundou a Casa Juca Pedro, um armazém de secos & molhados que vendia tanto no varejo quanto no atacado. Logo depois, em 1854, José Bonifácio Villela abriu a Casa Villela, um armazém que atuava no ramo de importação e exportação de gêneros diversos. Em seguida vieram outras casas comerciais, como a Casa Gambassi (Eugênio Gambassi – 1899) e a Casa Progresso (Jorge Holzmann – 1893). 

A partir do início do século XX a cidade acompanhou ao nascimento de um incontável número de armazéns de secos & molhados, muitos dos quais existiram durante décadas e se tornaram tradicionais no comércio local. Em muitas situações as casas comerciais funcionavam em sobrados nos quais também residiam os seus proprietários. Desta forma, a distância que separava o espaço comercial do espaço doméstico nesses estabelecimentos era mínima, fazendo com que toda a família se envolvesse nas atividades mercantis e criando a perpetuação do negócio de geração para geração.

Apesar de existirem lojas que atuavam exclusivamente no ramo de secos (confecções, drogas, aviamentos, utensílios de cozinha, ferragens, objetos pessoais e de higiene, papelaria, etc.) e outras que trabalhavam apenas com molhados (bebidas, azeites, alimentos, etc.), o comum era que os estabelecimentos tivessem as duas sessões a disposição dos consumidores. Da mesma forma, nesses espaços comerciais também era comum encontrar um canto no qual se concentravam as boticas, sendo a manipulação de drogas de diversas espécies uma prática cotidiana para muitos comerciantes daquela época. 

Com o passar do tempo e com as mudanças sociais, comportamentais e econômicas, Ponta Grossa assistiu, assim como o restante do país, a um processo irreversível de especialização das práticas comerciais. Assim, os armazéns e os secos & molhados foram perdendo espaço para casas comerciais que se dedicavam a ramos específicos. A partir da metade do século passado, os supermercados, os shopping centers e as lojas de departamento se converteram em espaços privilegiados para as práticas comerciais em todo o país. 

As comodidades de estacionamento, as linhas de crédito, a sensação de segurança e até mesmo o requinte estético pesaram para a substituição dos antigos pelos novos estabelecimentos. Nos dias atuais, casas comerciais no estilo dos velhos secos & molhados são cada vez mais raras, porém, algumas delas sobrevivem aos tempos e ainda guardam consigo velhas práticas comerciais como, por exemplo, o hábito do registro das compras na tradicional caderneta, um instrumento que não se vale de nenhum mecanismo de controle a não ser o pacto de confiança estabelecido entre quem vende e quem compra.

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O material original, com mais de 170 colunas, será republicado na íntegra e sem sofrer alterações. Por isso, buscando respeitar o teor histórico das publicações, o material apresentará elementos e discussões datadas por tratarem-se de produções com mais de uma década de lançamento. Além das republicações, mais de 20 colunas inéditas serão publicadas. Completando assim 200 publicações.

Publicada originalmente no dia 08 de maio de 2011.

Coluna assinada por Niltonci Batista Chaves. Historiador. Professor do Departamento de História da Universidade Estadual de Ponta Grossa. Doutor em Educação pela Universidade Federal do Paraná.

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