Coluna MSN: O melhor sono
“A espera do sono, para alguns, tem todo um ritual”
Publicado: 20/12/2023, 01:30
Nas noites da infância, quando começou a sua insônia, havia o ritual de pedir para deitar no canto da cama da mãe, para se acalmar e afugentar os medos do menino que temia tantas coisas, impensáveis na família de homens pragmáticos, em contato com os trabalhos desgastantes da roça.
A presença da mãe era um conforto, que aumentava quando o menino tocava seus cabelos negros e compridos, e ficava enrolando os fios em movimentos ágeis. Era assim que terminava suas noites de incerteza, emaranhando seus dedos pequenos nos cabelos maternos. Dormia o melhor sono depois deste ritual.
O menino foi substituído pelo homem, que, nos momentos de alegria, toca os cabelos da esposa e da filha, enquanto conta algo que o entusiasma. Agora ele é mais tímido, mais contido, e seus medos também diminuíram conforme os anos foram passando. O que antes o atormentava, hoje já é realidade. Perde-se sempre neste jogo de existir, com sua matemática de diminuição.
Quando a mãe envelheceu, os cabelos dela ralearam. Mesmo assim recebiam o toque do antigo menino. As décadas passam no ritmo de anos depois de certa altura da vida.
E a mãe acabou internada.
Na UTI, quando ainda estava lúcida, ela pedia para o filho mexer nos cabelos brancos. No pouco tempo em que ele ficava em pé ao lado da cama do hospital, religiosamente todas as tardes, mexia na cabeleira dela. A enfermeira informou a família que um dos pedidos constantes da paciente era para que lavassem seus cabelos.
E o filho continuou fazendo as carícias capilares, agora para acalmar a mãe, para tentar diminuir seus temores.
- Você tem que me dizer a verdade. Estou morrendo? – ela perguntou várias vezes.
Talvez esta fosse a pergunta que ele gostaria de ver respondida na infância: Estamos todos morrendo?
- Não, mãe, a senhora não está morrendo – ele mentia.
E continuava acariciando os seus cabelos, até ela dormir um pouco no tumulto da UTI, à espera do melhor sono, que em poucos dias chegou.
O autor é escritor e reitor da Universidade Estadual de Ponta Grossa. No Instagram: @sanchesnetomiguel; no Facebook: https://www.facebook.com/miguelsanchesneto; no Twitter: @miguelsanchesnt.