Gargalos no trânsito também são problemas de saúde pública em PG
Conselheiro, médico traz nova abordagem científica que explica que as cidades estão doentes
Publicado: 27/10/2025, 12:07

O conselheiro da área da Saúde do Grupo aRede, Mário Rodrigues Montemor Netto, explica que os problemas no trânsito de Ponta Grossa - leia a reportagem especial aqui - também devem ser tratados como questão de saúde pública. Nova abordagem científica detalha a 'Fisiopatologia da Mobilidade Urbana (FMU)'.
Confira abaixo a opinião na íntegra de Mário, que é médico, pesquisador, professor e presidente da Associação Médica de Ponta Grossa (AMPG):
"Como o trânsito ameaça a saúde da população:
Em nossas análises, já examinamos os músculos, os pulmões e o coração de Ponta Grossa. Hoje, o check-up é no seu sistema circulatório: a mobilidade urbana. Por décadas, tratamos o trânsito como um problema de engenharia, buscando alívio em viadutos e avenidas mais largas. No entanto, uma nova abordagem científica, a Fisiopatologia da Mobilidade Urbana (FMU), nos oferece um diagnóstico mais profundo: nossas cidades não têm apenas problemas de tráfego; elas estão doentes, com uma patologia sistêmica surpreendentemente similar à Doença Isquêmica Humana.
A 'Síndrome Metabólica' Urbana: Diagnosticando a Raiz do Problema
Assim como a cardiologia moderna entende que um infarto não é apenas um entupimento, mas o resultado de uma doença sistêmica, precisamos entender a real patologia da nossa mobilidade. A causa raiz é a nossa 'síndrome metabólica' urbana: a combinação da expansão urbana descontrolada (urban sprawl) com a dependência quase total do carro particular (monomodalidade).
Em Ponta Grossa, com uma frota de quase 240 mil veículos, essa condição é aguda. Assim como a obesidade e o diabetes criam um estado de inflamação crônica no corpo, esse modelo de crescimento gera uma 'inflamação' contínua na cidade: poluição do ar, estresse crônico nos motoristas e o que especialistas chamam de 'sedentarismo compulsório', um fator de risco direto para doenças cardiovasculares na população.
A Falha em Duas Escalas: Da Aterosclerose das Avenidas ao Colapso da Microcirculação
A doença se manifesta em dois níveis, assim como no corpo humano:
- A Doença Macrovascular: o congestionamento que vemos em artérias como a avenida Vicente Machado é a 'aterosclerose' das nossas vias principais. A tentativa de resolver isso apenas alargando ruas é uma solução paliativa que, como um stent em um paciente que não muda seu estilo de vida, não cura a doença sistêmica. A experiência global mostra que mais espaço para carros apenas atrai mais carros, num ciclo sem fim;
- A Microdisfunção Urbana (MDu): aqui reside a patologia mais grave e silenciosa, análoga à Disfunção Microvascular Coronária (DMC), que causa isquemia mesmo sem grandes artérias obstruídas. A MDu é a falha da nossa 'microcirculação': calçadas inadequadas, ciclovias sem conexão, e a dificuldade de acesso entre o transporte público e o destino final. A crise de estacionamento no Centro, que faz clientes desistirem de comprar, é um sintoma de 'isquemia econômica': o sangue (clientes) não consegue nutrir o tecido (o comércio) porque a rede capilar está obstruída.
O Infarto Urbano e a Falta de Resiliência
Quando essa condição crônica se agrava, corremos o risco do 'infarto urbano': o gridlock, a paralisia total da rede. E o mais preocupante é o fenômeno do 'no-reflow urbano'. Na medicina, 'no-reflow' ocorre quando, mesmo após desobstruir uma artéria, o sangue não volta a circular no tecido por dano na microcirculação. Em Ponta Grossa, isso se traduz na incapacidade da cidade de se recuperar rapidamente após um acidente. Mesmo com a via principal liberada, o caos persiste porque nossa 'microcirculação' doente (ruas locais, calçadas) não tem capacidade de criar rotas alternativas eficientes.
A Prescrição: Uma Política de Saúde Pública para a Mobilidade
O diagnóstico é complexo, mas a prescrição é clara. Precisamos abandonar a engenharia paliativa e adotar um modelo de saúde pública preventiva para a mobilidade.
- Tratar a 'Doença Metabólica': a prioridade deve ser combater a expansão urbana com um planejamento que aproxime moradia, emprego e serviços, reduzindo a necessidade de longos deslocamentos;
- Investir na 'Microcirculação': O foco do investimento deve mudar das grandes obras viárias para a saúde da microcirculação. Isso significa priorizar calçadas de qualidade, redes de ciclovias seguras e um transporte público de excelência.
Estudos mostram que cidades com mobilidade mais organizada têm taxas de mortalidade por AVC isquêmico significativamente menores e melhor acesso a hospitais. Ao tratar a mobilidade não como um problema de engenharia, mas como uma expressão da vitalidade do nosso organismo, podemos construir uma Ponta Grossa que não apenas flui melhor, mas que promove ativamente a saúde de todos os seus cidadãos".
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