Com quase mil toneladas, Paraná dobra produção de cogumelos em dez anos
O alto crescimento está diretamente relacionado à capacidade de organização de pequenos produtores em cooperativa e aposta na qualidade do produto frente a um aumento do consumo
Publicado: 17/12/2025, 15:35

O Paraná mudou a realidade da produção de cogumelos nos últimos 10 anos. Dados do Departamento de Economia Rural (Deral) apontam que os produtores do Estado colheram 982 toneladas em 2024, um crescimento de 106% em relação a 2014. O salto é ainda mais relevante porque o levantamento atual inclui apenas cogumelos champignon e shitake, e a análise anterior incluía mais variações do fungo.
O alto crescimento está diretamente relacionado à capacidade de organização de pequenos produtores em cooperativa e aposta na qualidade do produto frente a um aumento do consumo. Alguns dos destaques são a certificação orgânica e aposta na venda in natura.
Duas regiões do Paraná dominaram 89% da produção no Estado. Em primeiro, a Região Metropolitana de Curitiba (RMC) com 545.220 quilos, com destaque para as cidades de São José dos Pinhais (246.200 kg) e Tijucas do Sul (184.000 kg). Os Campos Gerais também têm produção relevante, com 334.661 quilos, sendo Castro a cidade com colheita dominante (262.500 kg), e Palmeira aparece na sequência com 63.000 kg. Os dados são da safra 2023/2024.
As condições de produção do cogumelo precisam de ambiente úmido e frio, clima característico das cidades da RMC e Campos Gerais. Em locais mais quentes, a refrigeração é ainda mais rígida, o que muda o perfil para grandes produtores de cogumelos em larga escala. Ainda que a tecnologia avance com climatização e automatização, o clima característico dessas regiões contribuiu para que pequenos produtores de agricultura familiar entrassem no negócio.
AGRICULTURA FAMILIAR
De acordo com a Agência Nacional de Produtores de Cogumelo (ANP), estima-se que 80% dos produtores brasileiros de cogumelos são micro e pequenos agricultores familiares. Um incentivo para estes produtores é a isenção do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), Programa de Integração Social (PIS) e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) para os cogumelos in natura. Já os industrializados têm 12% de ICMS e 4% de PIS e Cofins.
A produção de cogumelos é delicada. Para ter resultado de qualidade, é fundamental que o produtor busque conhecimento técnico e invista em climatização para as estufas do fungo.
“Encontrei pessoas que começaram sozinhas e tiveram grandes problemas por falta de conhecimento. A produção teve doença, muita perda e acabaram desistindo. Primeiro, é importante buscar orientação, conhecimento sobre como fazer e onde buscar os insumos. Assim, não terão perda logo no início”, afirma Sergio Brito, presidente da Cooperativa Agroindustrial de Produtores de Cogumelos e Demais Produtos de Tijucas do Sul e Região (Coopertijucas).
A Coopertijucas começou em 2013 por iniciativa de alguns produtores da cidade de Tijucas do Sul que notaram o nascimento de um polo de produção de cogumelos na região somado à dificuldade em vender o alimento. Hoje o grupo tem 40 produtores e vende por mês, em média, 9 toneladas de cogumelos no total, sendo 4 toneladas in natura e 5 toneladas em conserva – diferença que, segundo o presidente da cooperativa, tende a se inverter com o crescimento de alimentos naturais e a retração do conservado.
Fátima Ribeiro é uma das associadas. Há quatro anos, adquiriu uma propriedade rural em Tijucas do Sul e decidiu conciliar o trabalho de cabeleireira durante a semana, no centro da cidade, com a produção de cogumelos aos sábados e domingos.
“Na minha propriedade não dá para fazer plantação, não dá para fazer nada, porque é muito úmida. Aí eu pesquisei na internet o que daria para fazer em uma propriedade que tivesse bastante umidade e arvoredo”, conta. Ela começou a cultivar cogumelos shitake para se diferenciar do domínio do champignon no mercado, e optou inicialmente por produzir em toras de árvore.
No modelo de produção que Fátima tinha optado, os cogumelos crescem em toras de madeira empilhadas em formato de fogueira com o ar úmido da floresta. No entanto, o método rudimentar de plantio faz com que a colheita seja demorada, levando em torno de oito a 12 meses para se desenvolver.
“Não me dava retorno. Foi quando comecei a fazer cursos e aprendi a produzir em blocos. Agora, estou produzindo 200 quilos por semana. Na média, estão saindo R$ 3 mil de lucro líquido por mês”, explica. A venda é feita pela cooperativa (90%) e consumidor final (10%), geralmente restaurantes e mercados de Curitiba. “No momento, eu pretendo trabalhar de cabeleireira só até esse mês de dezembro. Depois, vou focar 100% na minha produção”.
A maneira de produzir cogumelos shitake em blocos, que leva três meses ao invés de um ano, é o método comum para produtores que conseguem viver da própria renda a partir desta espécie. Agora, a Fátima recebe o substrato já inoculado com micélio – que é a “raiz” do cogumelo misturada com serragem de madeira, palha de arroz e calcário. Esse processo é preparado por fornecedores e entregue após cerca de 35 dias de incubação inicial.
Depois, na propriedade dela, esse material permanece mais 60 dias até surgir os primeiros pontos de crescimento do fungo. Quando isso acontece, a produtora abre os pacotes e leva o substrato para uma estufa climatizada, onde o ambiente favorece o desenvolvimento. De cinco a sete dias depois dessa abertura, os cogumelos já estão prontos para a colheita.
Além disso, sua produção de cogumelos shitake tem selo do Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IDR) de produto 100% orgânico. O selo de produção orgânica assegura aos consumidores que todas as etapas de cultivo, criação e beneficiamento nas diferentes cadeias produtivas foram realizadas livres de agrotóxicos e insumos químicos sintéticos. Essa certificação favorece o valor agregado do produto final e o acesso ao mercado de exportação.
QUERIDO DAS PRATELEIRAS
A maioria dos produtores opta pelo cultivo de champignon – conhecido como Paris na versão in natura. O cogumelo mais comum nas prateleiras dos mercados e nos pratos dos brasileiros representou 95% de toda a produção de cogumelos no Paraná em 2024. Além de ser a variedade mais industrializada em conservas, a vantagem de produzir o champignon está no tempo menor de colheita, sendo apenas um ao invés de três meses do shitake.
Em Castro, a cidade com maior produção de cogumelos do Paraná, tem o perfil de produtores de cogumelos em larga escala – diferente de Tijucas do Sul, que conta com micro e pequenos agricultores. Atualmente, o produtor Helder Rosário colhe cerca de 18 toneladas de cogumelo por mês, sendo 16 toneladas entre Paris e Portobello in natura e duas toneladas de champignon em conserva. As três variedades são da mesma espécie, só variam em tempo – Paris retirado mais cedo e Portobello mais tarde – e champignon cozido e em conserva.
“Antigamente eu só vendia cozido, mas hoje é inviável. Se pegar 100 quilos de cogumelo, no cozimento ele reduz a 60 quilos. A média para o produtor vender hoje é de R$ 26 por quilo do Paris. Então com 1.000 quilos de cogumelo você faz R$ 26 mil. O cozido sai por R$ 20. Então o que era para eu ganhar R$ 26 mil, recebo só R$ 12 mil. Aí não fecha as contas”, relata.
O produtor de Castro conta que a mudança na venda de cogumelos cozidos por in natura tem dois motivos. O primeiro, a tendência da população por produtos mais saudáveis – sem conservantes e aditivos químicos. A segunda razão tem a ver com a entrada de cogumelos cozidos importados, em sua maioria, da China, que chegam com preços mais baixos do que o produzido no Brasil.
“As pessoas querem se alimentar melhor. Aí é a tendência, por isso que está aumentando muito o consumo de cogumelo in natura, existe uma preocupação para viver melhor. Já o cogumelo em conserva, eu vendo a R$ 20, enquanto a China entra aqui a R$ 15 com qualidade inferior”, explica Helder, que passou a apostar na qualidade de produtos mais naturais.
DESAFIOS E FUTURO
O fornecimento de insumos apropriados foi fundamental para mudar a realidade da produção no Estado do Paraná. Holandês, Bennie Berens chegou no Brasil em 1980, é produtor de cogumelos há pelo menos 30 anos e é referência no conhecimento técnico na produção do fungo. Morador de Tijucas do Sul, ele ministra aulas para quem está entrando no negócio e destaca a importância do Paraná como fornecedor nacional de compostos para cogumelos.
“Há 30 anos, os problemas no Brasil na produção de champignon eram muito maiores. Não tinha fornecedor de composto durante o ano inteiro. Isso era um problema. Também não tinha fornecedor de semente de bom nível. Existia pouco conhecimento no Brasil, era uma ilha em todos os aspectos. Hoje em dia, isso mudou. E isso foi muito graças ao Paraná. A modernização do Paraná ajudou muito”, relata.
A modernização, segundo ele, foi graças a criação de empresas especializadas no fornecimento de insumos para diversas espécies de cogumelos. “Há 17 anos, um holandês, em Castrolanda [distrito de Castro], começou a produção e venda de composto em larga escala. Fazer composto é muito difícil. É para poucos. Também temos um bom fornecedor de sementes em Piraquara, e a terra de cobertura [turfa] é da região de Tijucas do Sul. Então, nos três insumos, o Paraná tem boas alternativas agora”, conta.
O conterrâneo holandês citado por Bennie se chama Jan Haasjes, ele é presidente da Compobras, empresa de Castro que fornece composto para todo o Brasil. O pioneiro nacional na produção de insumo alerta para os futuros desafios na produção de cogumelos. “Pequenos produtores têm instalações precárias e precisam de uma renovação a fim aumentar a produtividade e melhorar a qualidade e constância na produção. Os produtores maiores deveriam pensar em modernização das instalações, para poder mecanizar parte do trabalho”, destaca Haasjes.
Os desafios para a comercialização do fungo não estão apenas no cultivo, mas também na logística de transporte. “Boa parte dos cogumelos são distribuídos para fora do Estado. Isso traz custo de transporte refrigerado e demora para chegar ao destino. Muitas vezes deparamos com supermercados que não tem uma cadeia de frios para produtos hortifrutigranjeiros”, explica Jan Haasjes. Segundo eles, a expansão do setor está em andamento e as perspectivas de futuro são boas.
Com informações da AEN





















