Coluna Fragmentos: Feijão, farinha e mate
A coluna ‘Fragmentos’, assinada pelo historiador Niltonci Batista Chaves, publicada entre 2007 e 2011, retorna como parte do projeto '200 Vezes PG', sendo publicada diariamente entre os dias 28 de fevereiro e 15 de setembro
Publicado: 13/09/2023, 00:05
Um grande número de naturalistas, engenheiros, médicos, geólogos e escritores europeus (em especial alemães, franceses e ingleses) percorreram o território brasileiro ao longo do século XIX registrando, por meio de textos, tabelas, gravuras e pinturas, os tipos humanos, a natureza, os comportamentos socioculturais e tudo que fosse considerado exótico ou que pudesse ser interessante para as chamadas “nações civilizadas” em franco processo expansionista. Tais registros subsidiaram muitas pesquisas da nascente indústria farmacêutica, o planejamento e a construção de ferrovias pelo interior brasileiro e o investimento pontual e direto em áreas consideradas de interesse ao capitalismo europeu.
Jean-Baptiste Debret, August de Saint-Hilaire, Robert Avé-Lallemant, James Henderson, Johan Spix e Karl Von Martius, figuram entre tais viajantes que, assentados no conhecimento científico do século XIX, percorreram o interior brasileiro e produziram trabalhos que, mesmo eivados de um sentido racista e evolucionista, foram importantes para construir narrativas sobre o Brasil e os brasileiros daquele período.
Thomas Plantagenet Bigg-Wither, engenheiro e escritor inglês que percorreu o Brasil na década de 1870, passou pelos Campos Gerais (e por Ponta Grossa) no ano de 1872. Seus relatos, compilados no livro “Novo caminho no Brasil meridional: a província do Paraná” (José Olympio, 1974), demonstram o olhar perplexo de um europeu diante de um território praticamente virgem (estima-se que o total da população paranaense naquele momento era de cerca de 126 mil pessoas) e o uso de palavras como “inútil”, “inferior” e “insignificante”, atribuídas por ele aos paranaenses daquele fim de século, expressam preconceituosamente a profunda distância social e cultural existente entre o Brasil e a Europa de então.
A passagem de Bigg-Wither por Ponta Grossa ocorreu mais de vinte anos antes da chegada das ferrovias à cidade e, portanto, ele certamente se deparou com um acanhado e modorrento vilarejo, composto por um pequeno núcleo urbano no entorno da igreja que, mais tarde, viria a se transformar na Catedral de Sant´Ana.
Apesar de sua escrita fazer questão de deixar claro que ele não era “um dos nossos” e de que havia um “abismo civilizatório” entre “ele” e “nós”, Bigg-Wither fez questão de ressaltar um traço que chamou sua atenção: a hospitalidade do caboclo brasileiro. Em suas palavras, quanto mais avançava para o interior, maior era a hospitalidade que encontrava, sendo que, de acordo com ele, os caboclos brasileiros faziam questão de oferecer dormida, cigarro e comida para todo e qualquer viajante que passasse por suas propriedades. Explicita que “por pura vontade, bondade de coração e costume do país” sempre ofereciam feijão, farinha e mate, segundo ele, a base da alimentação na região dos Campos Gerais naquele período histórico.
Ainda de acordo com Bigg-Wither, não aceitar tais ofertas era algo compreendido como insulto por parte dos forasteiros. E foi para não confrontar tais comportamentos instituídos por aqui que ele acabou sendo levado, a convite de um morador de nossa cidade, para fazer uma das refeições em sua casa. Ao narrar a experiência em seu “diário do bordo” – depois transformado em livro – fez questão de registrar o espanto que causou pelo fato de ser um estrangeiro e por não falar nosso idioma. De acordo com ele, enquanto jantava, muitos ponta-grossenses chegaram, entraram na casa, tiraram os chapéus e, em silêncio, observaram atentamente como ele se movia e se alimentava.
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Gastronomia local
Feijão, farinha e mate. Esses eram, portanto, os alimentos que formavam, de acordo com Bigg-Wither, a base alimentar das pessoas que viviam em Ponta Grossa e nos Campos Gerais no século XIX. Apesar das origens da cidade estarem vinculadas a engorda e a criação do gado vacum, a carne – ou melhor, o churrasco – não fazia parte do cardápio cotidiano dos ponta-grossenses naqueles tempos. Ao longo do século XX, em especial após a chegada das ferrovias, os bares e restaurantes se multiplicaram em Ponta Grossa, trazendo novos hábitos e opções gastronômicas para a cidade. As churrascarias foram surgindo nesse contexto. João Carlos Cogo, um caminhoneiro que decidiu deixar a estrada e investir no ramo gastronômico, adquiriu, em 1954 a Churrascaria Expedicionário e, depois dela, abriu outros estabelecimentos similares na cidade, como a Regente do Cogo, inaugurada em 1970.
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A primeira churrascaria brasileira
Fundado por um imigrante italiano – Antônio Aita – em Porto Alegre no ano de 1935, o Restaurante Santo Antônio, parece ter sido a primeira churrascaria brasileira. O estabelecimento, que inicialmente era especializado em comida italiana, passou a ter no churrasco o seu prato principal no mesmo ano, a partir de um evento comemorativo ao centenário da Revolução Farroupilha e que acabou tornando o lugar conhecido do grande público.
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Conteúdo inédito.
Coluna assinada por Niltonci Batista Chaves. Historiador. Professor do Departamento de História da Universidade Estadual de Ponta Grossa. Doutor em Educação pela Universidade Federal do Paraná.