Coluna Fragmentos: A ritualização da morte

Em grande parte das sociedades, independente de sua localização temporal e espacial, é possível perceber, mesmo que em formas de manifestações variadas, devido a cultura e tradições específicas de cada grupo social, a ritualização da morte. As reações, comportamentos e sentimentos dos indivíduos diante da morte de outrem podem ser classificados como sendo de longa duração, ou seja, são atitudes e sentimentos coletivos que acompanham várias gerações e podem demorar décadas ou até mesmo séculos para se transformarem. 

Dessa forma, entende-se o porque da identificação e do respeito popular com as características típicas dos cemitérios como os túmulos, lápides e epitáfios, com a forma de preparar, velar e enterrar os mortos e com a reação posterior a morte. É exemplo dessas manifestações o dia de relembrar os entes que se foram, celebrado pelos cristãos todo dia 2 de novembro. Considerada a data mais apropriada para a ocasião, já que sucede o dia de Todos os Santos, o dia de Finados foi estabelecido ainda durante o século X, na França. 

Segundo o pesquisador de ciência da religião Volney Berkenbrok, o costume se expandiu rapidamente por toda a Europa, já que com a proximidade do ano 1000 as pessoas achavam que o mundo iria acabar, e que por esta razão deveriam rezar pelos mortos que ainda estavam no purgatório. Em nosso país, devido a uma longa tradição de influência do catolicismo, o dia de Finados se encontra tão arraigado no imaginário popular que é até feriado nacional. Outro caso de contemplação dos mortos é a denominada Festa dos Mortos, comemorada todos os anos pelos mexicanos, com ritos que envolvem influências dos povos nativos, como os antigos astecas e maias e características da religião católica, advindas da colonização espanhola. 

Durante a Idade Média, época de instituição do dia de Finados, em uma tentativa de aproximar os mortos do céu, estes eram enterrados dentro da própria igreja ou em seus arredores. A localização dos jazigos dependia da posição social do falecido. Foi principalmente a partir do século XIX que, por medidas sanitárias, os campos santos foram transferidos, não sem resistência de parte da população, das igrejas para terrenos apropriados e distantes de áreas residenciais. Quando visitamos os cemitérios, além das motivações e sentimentos pessoais observamos, conforme indica a pesquisa de Maristela Carneiro sobre o cemitério São José de Ponta Grossa, que estes representam através de sua arquitetura e de seus símbolos, a atitude do homem diante da morte, possibilitando assim que parte das crenças, modos de vida, concepções, enfim da sociedade e do tempo sejam percebidos. Assim, consideramos os cemitérios como um espaço onde podem ser percebidos diversos aspectos históricos e sociológicos, já que valores, crenças, sentimentos e relações sociais, religiosas, econômicas e culturais são detectados em sua constituição.

.

Primeiro cemitério é do início do século XIX 

Conforme registros, o primeiro cemitério de Ponta Grossa, denominado São João, data do início do século XIX, especificadamente do ano de 1811. Este era localizado onde hoje se encontra a Igreja do Sagrado Coração de Jesus, conhecida como Igreja dos Polacos. Outro cemitério dos Oitocentos foi o que era localizado ao lado da antiga Igreja Sant’Ana. O atual cemitério São José data do ano de 1865, na época construído longe da área urbana, obedecendo aos princípios sanitários. Entretanto, em razão de querelas políticas e religiosas, este somente se tornou um campo santo em 1881, quando o vigário da paróquia o abençoou e as famílias passaram a enterrar seus mortos com tranquilidade no local.

.

O material original, com mais de 170 colunas, será republicado na íntegra e sem sofrer alterações. Por isso, buscando respeitar o teor histórico das publicações, o material apresentará elementos e discussões datadas por tratarem-se de produções com mais de uma década de lançamento. Além das republicações, mais de 20 colunas inéditas serão publicadas. Completando assim 200 publicações.

Publicada originalmente no dia 23 de janeiro de 2011.

Coluna assinada por Amanda Cieslak Kapp, historiadora, doutora em história pela UFPR e professora da Unibrasil e do Instituto Federal do Paraná/Campus Pinhais.