Crônica dos Campos Gerais: Costumes, fins | aRede
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Crônica dos Campos Gerais: Costumes, fins

Texto de autoria de Luiz Murilo Verussa Ramalho, servidor do Ministério Público Estadual, residente em Ponta Grossa, escrito no âmbito do projeto Crônicas dos Campos Gerais da Academia de Letras dos Campos Gerais

A crônica da semana é de autoria de Luiz Murilo Verussa Ramalho.
A crônica da semana é de autoria de Luiz Murilo Verussa Ramalho. -

Publicado por Camila Souza.

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Quando a boca imponderável do destino sopra as famílias espalhando mapas afora os farelos que são os seus indivíduos, tudo parece ser o fim, ter cor de fim, o odor o sabor o sombreado do fim, mas é somente o começo de algo indomável que é, também, destino.

Ao ler neste espaço a crônica “Evolução de Costumes”, na qual a Sueli aborda os hábitos que as diferentes gerações de sua família tinham no arrumar a mesa, me lembrei de que a minha também punha à mesa hábitos que merecem registro, embora numa perspectiva outra.

Consta do anedotário que tios-avós paternos meus e outros antepassados – tão mais remotos que o direito civil nem nominou os parentescos – foram pistoleiros na Paraíba, presumivelmente na primeira metade do século que findou. Duas das reses – o pai de meu pai e um irmão mais velho – desgarraram do clã e, se afastando das agruras locais (quando os patriarcas levavam a prole ao circo, distribuíam revólveres aos rapazinhos púberes, reunidos em torno da mesa, para se defenderem das famílias contrárias) se instalaram inicialmente no Estado de São Paulo e depois no Paraná. Meu tio-avô se estabeleceu como próspero dono de supermercado; meu avô, que gostava de mim e eu dele (com melhores razões agora, como se verá), metamorfoseado em gaiteiro lendário no nosso estado, não se fez ouvir pela Fortuna e faleceu precocemente como despretensioso alfaiate (o que houve com a gaita?). Unia os irmãos não serem fugitivos, por não deixarem delitos para trás, podendo fazer de alma leve o muito ou pouco que fizeram, sem nada dever aos tribunais. O que entristecia o mais velho, refletindo sobre a travessia próxima, era não ver a Copa de 94, que logo vinha e Romário colocou no bolso.

Só uma vez, um dos que ficaram veio mapa abaixo para visitá-los. Idoso, enfermo, completamente só, pediu a meu pai que o acompanhasse numa consulta. Na hora de o médico auscultá-lo, meu pai lhes deu as costas, para guardar privacidade, quando ouviu o doutor gritar horrendamente. Ao virar-se, descobriu que seu tio tinha o torso tomado pelos projéteis que sua magreza acolhera em décadas de violência. “Eu mais novo gostava muito de umas feixxtas”, riu entredentes o parente, que pouco viveu depois da cena.

O que este tio pensaria de minha geração, ou mais especificamente de mim, que sem ter levado nenhum tiro em festas faço pouco delas, e ponho para fora sem matá-la uma lagartixa que volta e meia me aparece em casa? Penso eu que certos costumes, realmente, merecem ter fim.

*Texto de autoria de Luiz Murilo Verussa Ramalho, servidor do Ministério Público Estadual, residente em Ponta Grossa, escrito no âmbito do projeto Crônicas dos Campos Gerais da Academia de Letras dos Campos Gerais (acesse aqui).

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