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Crônica dos Campos Gerais: Minha primeira bicicleta

Texto de autoria de Yonara Cheres, professora de Educação Física, natural de Reserva, residente em Ponta Grossa, escrito no âmbito do projeto Crônicas dos Campos Gerais da Academia de Letras dos Campos Gerais

Texto de autoria de Yonara Cheres
Texto de autoria de Yonara Cheres -

Da Redação

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Minha primeira bicicleta, eu ainda a tenho em casa. Está toda enferrujada, com as marcas do tempo, porque, quando a ganhei, já era de segunda mão. E de uma segunda mão extremamente operária. Daquelas mãos que te servem e você nem as vê.

Se eu exagerava e brincava por muito tempo, caía a correia, ou arrebentava. Aí eu ficava dias de castigo, sem poder colocar meus pezinhos naquele pedal grande; então, para me distrair, passava horas na frente da casa, olhando os operários que construíam o asfalto que ia da minha cidade, Reserva, até Cândido de Abreu. De longe, sempre ficava pensando na hora que, por estradas imaginárias, poderia voltar a praticar exercícios físicos na minha bichinha — mesmo sem ter consciência de que eram exercícios físicos. A especialista em mecânica de bicicletas era a vó Lena, mas ela geralmente se chateava, quando precisava arrumar o brinquedo, porque isso atrapalhava seus planos do dia: como morávamos no Bairro de Lourdes, a vó tinha que ir “pra cidade” para comprar outra correia. Consertada a bicicleta, eu corria para pedalar com toda a força de minha infância; como os freios quase nunca funcionavam, o capotamento era certo. E eu acabava apertando ou luxando os dedos dos pés ou das mãos.

O barulho do ferro era ensurdecedor, desde parte da manhã até a noite; e o óleo passado nas peças muitas vezes sujava minhas roupas já batidinhas. A bronca vinha, mas, mesmo com ela, eu sentia as mãos enrugadas e calorosas na minha cabeça, um carinho guardado até hoje no fundo do coração.

Apenas anos depois, já adulta, soube que meu brinquedo favorito era muito antigo. E que a vó Lena havia comprado a bicicleta de uma senhora polonesa, pagando com uma carroça velha. Vó Lena fizera uma troca justa, ela não precisava da carroça, nem tinha mais cavalos, e a “Polaca” — como era chamada carinhosamente a senhora — não sabia andar no “trem” do brinquedo.

Vó Lena também andava na bicicleta, era uma disputa em que eu corria para sentar, e ela sentava para correr. Eu ganhava o mundo, o meu mundo dos sonhos; e ela conquistava o seu mundo real, um mundo onde tudo cobra seu preço, sempre com o brinquedo rangendo ferros para nós duas.

Hoje aposentada, mesmo funcionando, a minha máquina Pfaff 30, da cidade de Kaiserslautern, fabricada no início do século XX, guarda ainda o cheiro gostoso da vó Lena, o barulho do trabalho da vó Lena e os fios bem trançados das costuras da “Dona Negrinha”, como a conheciam suas clientes.

Texto de autoria de Yonara Cheres, professora de Educação Física, natural de Reserva, residente em Ponta Grossa, escrito no âmbito do projeto Crônicas dos Campos Gerais da Academia de Letras dos Campos Gerais (https://cronicascamposgerais.blogspot.com/).

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