Bagres brasileiros conseguem escalar cachoeiras de 4 metros; veja vídeo
Um comportamento até então desconhecido — o de escalar cachoeiras — foi registrado por acaso em pequenos bagres-abelha do Mato Grosso do Sul
Publicado: 19/10/2025, 15:10
Fenômeno jamais documentado até hoje, uma população de milhares de bagres-abelha escalando rochas escorregadias por trás de uma cachoeira foi flagrada pela Polícia Militar Ambiental do Mato Grosso do Sul em novembro de 2024, no rio Aquidauana.
A agregação massiva, o mecanismo de escalada, o padrão temporal e os indícios de uma migração reprodutiva de uma espécie rara e ainda pouco conhecida (Rhyacoglanis paranensis) logo chamaram a atenção de zoólogos da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) que se deslocaram ao local.
Liderados por Manoela M. F. Marinho, os pesquisadores da UFMS documentaram multidões de bagres se agrupando nas bordas rochosas das quedas d'água. Nesses paredões de pedra, com entre um e quatro metros de altura, os peixes muitas vezes se amontoavam uns sobre os outros.
Nas partes mais escarpadas, cobertas por uma fina película de água corrente, os bagres avançavam mediante impulsos curtos e pausas estratégicas antes de cada novo movimento. A presença de mais três espécies escalando o “corredor” vertical evidenciou uma rota migratória compartilhada por adultos de ambos os sexos.
A pesquisa de campo revelou uma tática intermitente coordenada: nadar com força, se abrigar atrás de uma pedra para descansar brevemente protegidos da corrente, e então partir para o próximo impulso. A combinação de esforço com recuperação estratégica permitia uma escalada sem colapsar por exaustão.
ENTENDA - Os pesquisadores notaram que a escalada dos R. paranensis seguia um padrão definido. Em dias quentes, os bagres se abrigavam sob pedras e em áreas sombreadas, evitando o calor. Assim que o sol se punha, eles começavam a escalar as paredes das cachoeiras.
Tentando entender melhor a estratégia dos pequenos peixes, a equipe analisou o mecanismo de escalada. Perceberam que os bagres-abelha mantinham as nadadeiras peitorais emparelhadas e totalmente abertas, “abraçando” a rocha. Depois, com movimentos laterais do corpo e impulsos da cauda, se projetavam para frente.
Durante o procedimento, uma cavidade rasa se formava sob o abdômen desses siluriformes. Para os autores, essa configuração corporal criava sucção, permitindo aos peixes aderir às superfícies lisas e molhadas. O deslocamento era feito aos poucos, com pequenas pausas entre os impulsos, para reconectar a fixação ventral.
Embora a escalada por sucção seja uma velha conhecida dos ictiólogos, e registrada em outros peixes, como o goby-lava do Havaí (Sicyopterus stimpsoni) — que escala cachoeiras de até 100 metros com uma ventosa formada pelas nadadeiras pélvicas e a boca —, os bagres são anatomicamente diferentes.
Mesmo sem as ventosas bucais ou pélvicas dos góbios, nossos bagres-abelha evoluíram de forma convergente a capacidade de escalar cachoeiras. Usando suas nadadeiras peitorais e o formato do corpo, eles conseguiam manter a aderência mesmo em condições difíceis, com pouco espaço para "grudar".
ESTUDO - Além da divulgação de imagens inéditas e espetaculares, o estudo preenche uma lacuna importante sobre a biologia do R. paranensis, uma espécie que raramente ultrapassa os nove centímetros, e muitas vezes passa despercebida em seus habitats: rios de água turva onde a força da correnteza dificulta sua visualização e captura.
Por isso, essa agregação massiva durante uma suposta migração reprodutiva de milhares de indivíduos em um local específico representou uma janela de oportunidade única, que combinou o fator sorte (avistamento pela Polícia Ambiental) com a presteza dos pesquisadores da UFMS, que chegaram na semana seguinte.
Apesar de não terem certeza absoluta sobre o real motivo da escalada, os autores apresentam uma hipótese bem fundamentada. Para eles, os bagres-abelha estavam realizando uma migração reprodutiva, ou seja, subindo o rio para desovar em áreas mais altas, o que é sustentado por várias evidências.
No entanto, por se tratar de um evento observado em uma única localidade e em data específica, ainda não se sabe quão comum ele é, se ocorre todos os anos, em rios vizinhos ou em espécies similares. Daí a necessidade de mais estudos para confirmar essa hipótese e entender melhor o comportamento migratório.
Em comunicado, Marinho destaca "a importância das observações de campo na compreensão do papel ecológico e das necessidades de conservação dos pequenos peixes migradores, particularmente no contexto de ameaças potenciais representadas pela fragmentação do habitat e pelo represamento de rios".
Com informações: CNN Brasil.