Crônica dos Campos Gerais: Cliente-de-caderno | aRede
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Crônica dos Campos Gerais: Cliente-de-caderno

Texto de autoria de Alfredo Mourão, aposentado, graduado e especialista em Letras - UEPG, criador de textos e contador de histórias, residente em Ponta Grossa, escrito no âmbito do projeto Crônicas dos Campos Gerais da Academia de Letras dos Campos Gerais

Texto de autoria de Alfredo Mourão, aposentado, graduado e especialista em Letras - UEPG
Texto de autoria de Alfredo Mourão, aposentado, graduado e especialista em Letras - UEPG -

Da Redação

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Mal tinha iniciado o bota-fora do esporádico limpa-gavetas quando me deparei com uma caderneta de compras (do tempo que se comprava “fiado” no caderno), cujas anotações vão de março de 1949 a julho de 1950. 

Capa dura descorada, escrevinhada à caneta-tinteiro em letras esmaecidas, onde consta: ARMAZÉM LAVINO MORO. CADERNERTA DO SR. ORLANDO MOURÃO DE ANDRADE. Nº 23. (Meu pai!) Nas páginas internas, entre verticais e horizontais contábeis, produtos escrevinhados a lápis (de boa qualidade, pois a escrevinhança está bem preservada) com os respectivos preços em cruzeiro-antigo, totais e transportes de uma página a outra, com muito cuidado e transparência. O ARMAZÉM MORO localizava-se na bifurcação das ruas Silva Jardim e Sant´Ana, na entrada do Bairro de Olarias. 

Como só cheguei nesse mundão de Deus em 1953, recorri a algumas pesquisas. Vivia-se à época o governo (re) democrático do General Eurico Gaspar Dutra (1946/1951), com o fim do Estado Novo, período também nomeado como 4ª República. À mesma época os compromissos eram firmados no fio-do-bigode, havendo (ampla) confiança mútua entre as partes. Fiado documentado. 

Manuseando o achado saudosista, outro detalhe me chamou a atenção. No fechamento de cada mês, passada a linha e puxado o total, grudavam-se dois selos (literalmente molhados na ponta da língua) à página da totalização (um de 0,80 centavos e outro de 0,50 centavos). Sobre os selos quitava-se o pagamento pelo escrevinhador: RECEBI. PONTA GROSSA, 02 DE SETEMBRO DE 1949. (ass.) LAVINO NADAL MORO (tudo por extenso). 

Vendia-se de tudo um pouco naquele armazém de secos e molhados. Trigo, açúcar, sal, café, macarrão, arroz, feijão, pão, linguiça, banha, goiabada, frutas em conserva, frutas in natura, legumes, sardinha, vinagre, vinho... Sabonete, vela, papéis de carta e envelopes, vassouras, tamancos... Alguns preços caíram de 1949 a 1950, como trigo, banha e café. Mas ouve alta no salchicho, açúcar e vinagre. A caderneta das lembranças desbotadas ganhou status de relíquia entre os guardados familiares. 

Remanescentes das turbulentas mudanças sociais, seguimos anotando na caderneta do tempo o blá-blá-blá disso daquilo daquele daquela; o sobe-desce dos preços; o deus-nos-acuda da politicagem; o sai-de-baixo da poluída discurseira midiática... Nesses dias cabulosos se alguém quiser comprar fiado, a resposta está na ponta da língua: “Menos fiado, mais PIX!” Assim vamo remandinho!

Texto de autoria de Alfredo Mourão, aposentado, graduado e especialista em Letras - UEPG, criador de textos e contador de histórias, residente em Ponta Grossa, escrito no âmbito do projeto Crônicas dos Campos Gerais da Academia de Letras dos Campos Gerais (https://cronicascamposgerais.blogspot.com/).

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