Dengue: Brasil ultrapassa 1 milhão de casos em dois meses
Especialistas em saúde pública explicam onde erramos com a dengue e como evitar cenário ainda pior; Governo marca 'Dia D' para sábado
Publicado: 01/03/2024, 07:50
Nessa quinta-feira (29), o Brasil ultrapassou a marca de 1 milhão de casos prováveis de dengue em 2024, segundo dados do Ministério da Saúde. Em todo o ano de 2023, foram registrados 1.658.816 quadros possíveis da doença – de acordo com a pasta, estima-se que o país terá o dobro de casos neste ano.
“Essa provavelmente será a pior epidemia de dengue da história do Brasil”, afirma o sanitarista Jonas Brant, professor do Departamento de Saúde Coletiva (DSC) da Universidade de Brasília (UnB).
Ao todo, já são 1.017.278 casos prováveis registrados, 214 mortes confirmadas e 687 em investigação. No entanto, Brant acredita que esses números podem estar subnotificados e, na verdade, são muito maiores.
Especialistas ouvidos pelo Metrópoles consideram que alguns motivos foram determinantes para que o país chegasse a esse cenário. Entre eles estão as mudanças climáticas, com excesso de calor e chuva; desmobilização da infraestrutura de controle de vetores; demora para a tomada de medidas preventivas e a circulação de sorotipos diferentes do vírus.
Fatores determinantes para aumento dos casos de dengue:
Mudanças climáticas - O final de 2023 foi marcado pela antecipação das chuvas e um aumento importante da temperatura em grande parte do país, provocados pelo fenômeno climático El Niño. A combinação de calor e umidade faz com que o mosquito se reproduza mais rápido.
Desmobilização da infraestrutura de vigilância - Brant lembra que, nos últimos anos, os governos redirecionaram esforços para combater a pandemia de Covid-19 e desmobilizaram a infraestrutura de controle de vetores.
Como consequência, houve redução do número de agentes de endemias envolvidos na vigilância dos focos de dengue. “Também vimos a redução da expertise. O pessoal mais antigo se aposentou e houve um baixíssimo investimento na formação de recursos humanos para vigilância epidemiológica nos últimos anos. Tudo isso fez com que a gente entrasse nesse ano muito vulnerável”, considera Brant.
Resposta lenta - O sanitarista avalia que os governos têm adotado medidas “acanhadas” do ponto de vista de recursos humanos para enfrentamento da epidemia, como a contratação de um quantitativo pequeno de agentes.
“Não vamos combater uma epidemia com estilingue quando precisamos de um canhão. Para conseguir baixar muito a infestação do Aedes aegypti e reduzir a transmissão, precisamos de uma estrutura de enfrentamento para visitar as casas em um período muito curto, e isso não é possível com um número pequeno de agentes”, considera Brant.
O sanitarista lembra que, até o início da década passada, em meados de 2010, existia um pacto entre secretarias estaduais e municipais que exigia o trabalho de profissionais para engajamento e mobilização social comunitária. Os agentes visitam as residências para ajudar os moradores a encontrar e remover os criadores do mosquito da dengue com um olhar apurado.
“Isso deixou de ser exigência. A maioria dos municípios hoje não tem um ator-chave na Secretaria de Saúde responsável por mobilização social e controle”, afirma.
Idealmente, segundo o sanitarista, os agentes de endemia deveriam começar o trabalho de vigilância aos focos de dengue entre outubro e janeiro para evitar o crescimento da infestação do mosquito no período de fevereiro a abril.
“Mas, em geral, esses são os meses de poucos casos de dengue, e os gestores estão com um olhar político para o período eleitoral ou encerrando suas gestões. Por isso, não há mobilização adequada no período correto. O problema em geral está no fato que se contratam agentes temporários nesse momento, eles vão trabalhar no período da seca e não no início das chuvas”, avalia.
O Ministério da Saúde anunciou, nesta semana, a realização do Dia D, uma mobilização nacional que ocorre no próximo sábado (2/3) para reforçar as ações de prevenção e eliminação dos focos do mosquito. O infectologista Julio Croda, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), avalia que a ação tem mais valor como comunicação para a sociedade do que como uma medida que terá sustentabilidade no controle da doença. “A mobilização deve ser constante. Um dia único terá pouco impacto na curva epidemiológica”, considera.