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Coluna MSN: Um bom homem

“Vivemos para que um maior número de pessoas não morra”

Miguel Sanches Neto é escritor e reitor da Universidade Estadual de Ponta Grossa
Miguel Sanches Neto é escritor e reitor da Universidade Estadual de Ponta Grossa -

Da Redação

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Creio literariamente nos Salmos. E sempre pronunciei com convicção religiosa o seguinte versículo do Salmo 91, na tradução de João Ferreira de Almeida: “Mil cairão ao teu lado, e dez mil, à tua direita, mas tu não serás atingido”. E assim fui chegando a esta minha improvável idade de doente profissional de quase três décadas.

Agora constato um pouco assustado: os que caem ao meu lado estão me derrubando junto, embora eu continue a-pa-ren-te-men-te vivo.

A um amigo, falei que sofro com a idade morredoura, quando as pessoas falecem de causas diversas e banais. Mas não me entrego a estas causas, alegando que ainda tenho que criar um filho. Sem pai desde os quatro anos de idade, meu maior medo foi deixar meus filhos, ainda crianças ou adolescentes, órfãos. Nas horas de zombaria, usava a definição de ser humano dada por Fernando Pessoa: “cadáver adiado que procria”. Sou um cadáver adiado que ainda cria os filhos. Vieram tarde provavelmente para me dar este motivo de resistir.

Morre um amigo aqui, outro morre ali. Um inimigo de vez em quando também morre (infelizmente com menor frequência), e apenas rogo que o inferno lhe seja agradável, porque, raios!, eles merecem. Imagino as mudanças climáticas lá no inferno, com todos os grandes inimigos enfileirados em um lugar onde o aquecimento global é mais intenso.

Apesar de tantas mortes, tive uma barreira entre mim e a indesejada. Uma barreira precária: minha mãe. Pois, como já disse, meu pai não conseguiu permanecer na trincheira nos defendendo.

Faz uma semana ela teve um AVC e está na UTI em Campo Mourão. Fiquei três dias lá, e só consegui uma única visita. Segurei sua mão boa, conversamos. E ela sempre ferina:

– Vocês me deram muito trabalho. Agora é minha vez de dar incomodar os filhos.

Minha irmã permaneceu com ela, acompanhando meu padrasto, que vem se dedicando aos problemas de saúde da esposa. Falando dele, ela foi lapidar: “É um bom homem”. Talvez este seja o melhor elogio que um marido possa receber nesses casos extremos.

A bondade que praticamos nos livra de todos os nossos defeitos. E logo seremos nós que cairemos, não sei se à direita ou à esquerda.

O autor é escritor e reitor da Universidade Estadual de Ponta Grossa. No Instagram: @sanchesnetomiguel; no Facebook: https://pt-br.facebook.com/miguelsanchesneto/; no Twitter: @miguelsanchesnt.

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