Condenados pelo 'Caso Evandro' são inocentados pelo TJ
Revisão criminal sobre a morte do menino Evandro Ramos Caetano resultou na absolvição de Beatriz Abagge, Davi dos Santos Soares, Osvaldo Marcineiro e Vicente de Paula Ferreira. Fitas de áudios indicaram que eles foram torturados para confessar crime que não cometeram
Publicado: 10/11/2023, 14:09
Por 3 votos a 2, os desembargadores da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) concordaram com a revisão criminal relativa ao crime do "Caso Evandro". Isso significa que, na prática, todos os condenados no processo que apurou a morte do menino Evandro Ramos Caetano, em Guaratuba, ficam considerados inocentes. Foram absolvidos Beatriz Abagge, Davi dos Santos Soares, Osvaldo Marcineiro e Vicente de Paula Ferreira – este último falecido em 2011, em um presídio.
A decisão foi tomada dois anos após a exibição da série Caso Evandro, da Globoplay, na qual fitas confirmam a ocorrência de tortura contra os sete presos por suspeita no crime. A anulação se refere aos réus Osvaldo Marcineiro e Davi dos Santos Soares, mas pode ser estendido também para Beatriz Cordeiro Abagge.
Além disso, pela primeira vez, em 31 anos, o Ministério Público do Paraná (MPPR) disse entender que as condenações dos sete acusados pela morte do menino Evandro Ramos Caetano, em Guaratuba, no Litoral do Paraná, podem ser injustas. A fala partiu do procurador Silvio Couto Neto, que disse não ver provas conclusivas de que eles teriam cometido um crime.
A turma recursal já havia acatado, em agosto, que as fitas obtidas pelo jornalista Ivan Mizanzuk poderiam ser utilizadas como prova da ocorrência de tortura pelo então chamado Grupo Aguia (Ação de Grupo Unido de Inteligência e Ataque), da Polícia Militar. Desta vez, os desembargadores Adalberto Jorge Xisto Pereira, Gamaliel Seme Scaff e Sergio Luiz Patitucci votaram por aceitar a revisão criminal.
Para o advogado Antonio Augusto Figueiredo Bastos, a decisão é um “acerto de contas” entre o passado e o presente do Paraná. “Foi uma decisão necessária para advertência às futuras gerações de homens e mulheres do Paraná, de que o Estado que não tolera a tortura, não tolera que uma mãe seja torturada na frente da filha”, disse.
Após a fala, o procurador Silvio Couto Neto também pediu a palavra. Pela primeira vez, o Ministério Público do Paraná (MPPR) disse não considerar a condenação dos acusados justa. “Do fundo do meu coração, com toda a experiência acumulada em mais de três décadas de MP, não consegui chegar a conclusão de que haviam provas, então não vejo como dizer que as condenações foram justas”, afirmou.
A chamada revisão criminal se caracteriza como uma ação que visa modificar decisão transitada em julgado. Prevista no Art. 621 do Código de Processo Penal (CPP), ela é admitida quando a sentença condenatória for contrária à evidência dos autos e também com a descoberta de novas provas de inocência, que seria o caso das fitas. Em março, a 2ª Turma do TJPR havia negado o mesmo pedido à Beatriz Abagge.
Votos contrários
Os votos contrários foram do relator do processo, desembargador Miguel Kfouri Neto, e da desembargadora Lidia Maejima. O relator reforçou que a fita deveria ser periciada e afirmou ver outros elementos como responsáveis pelas condenações. “Há provas que sensibilizaram os jurados no tocante à culpabilidade e a responsabilidade dos ora requerentes da revisão criminal”, comentou.
Fitas
A mudança de opinião do Tribunal surge pouco mais de dois anos a exibição da série Caso Evandro. O projeto adaptou o podcast Projeto Humanos, do jornalista Ivan Mizanzuk. Nos trabalhos audiovisuais, são reveladas novas fitas, que comprovam que as confissões foram motivadas por tortura.
A morte
Em 1992, sete pessoas foram presas por suposto envolvimento na morte de Evandro em Guaratuba: Osvaldo Marcineiro, Vicente de Paula Ferreira, Davi dos Santos Soares, Francisco Sérgio Cristofolini e Airton Bardelli dos Santos. O caso, porém, ganhou intensa repercussão nacional por conta da presença de duas detidas: Beatriz Cordeiro Abagge e Celina Abagge, filha e esposa do então prefeito de Guaratuba.
Por décadas, o caso ficou conhecido na imprensa como ‘Bruxas de Guaratuba’. A reviravolta só aconteceu com a publicação do podcast ‘Projeto Humanos: Caso Evandro’. Nela, Ivan Mizanzuk comprova a ocorrência da tortura.
Julgamentos
O caso teve cinco julgamentos diferentes. Um dos tribunais do júri, realizado em 1998, foi o mais longo da história do judiciário brasileiro, com 34 dias. Na época, a Beatriz e Celina foram inocentadas porque não houve a comprovação de que o corpo encontrado era do menino Evandro.
O Ministério Público recorreu e um novo júri foi realizado em 2011. Beatriz, a filha, foi condenada a 21 anos de prisão. A mãe não foi julgada porque, como ela tinha mais de 70 anos, o crime prescreveu. As penas de Osvaldo Marcineiro e Davi dos Santos se extinguiram pelo cumprimento.