Coluna MSN: Uma inteligência jovem
Conversar com Ernani foi sempre entrar em um festival de inteligência sarcástica
Publicado: 01/11/2023, 02:00
Conheci Ernani Buchmann por vias tortas. Como publicitário, dominando a cena curitibana nos anos 1990. Foi provavelmente na agência do Jamil Snege, centro da maledicência local, onde jovens candidatos a criadores acabavam encalhando para receber lições de como não dar certo na vida. Entre artistas plásticos, cartunistas, escritores, publicitários e outros animais perigosos, fui me deformando.
Logo descobri que o publicitário Ernani Buchmann era um clone do escritor inconvenientemente genial Ernanni Buchmann. E me tornei leitor principalmente de suas crônicas, que satirizavam amorosamente a cidade, e que são umas das traduções mais deliciosas dela.
Nossas saídas eram típicas de senhores comportados nos hábitos – uma passada nas livrarias do centro, um café, uma coalhada, uma codorna com polenta, um vinho discreto – e ferinos nos comentários. Conversar com Ernani foi sempre entrar em um festival de inteligência sarcástica. Pois não há inteligência sem artilharia pesada.
Usei uma vez, da forma gratuita, os serviços do publicitário. Fui à Get, que ficava em um prédio moderno do centro, e expliquei que queria promover meu primeiro romance, produzindo um cartaz. Ele me recebeu alegre, falamos encantadoramente mal de nossos amigos escritores, e ele não deu muita atenção ao meu pedido. Depois recebi a foto de uma criança com a cabeça coberta com o meu livro aberto – “Chove sobre minha infância”. Era a releitura de uma imagem clássica de Gabito com “Cem anos de solidão” como chapéu contra chuva. O cartaz nunca saiu e restou apenas a lembrança de uma campanha que poderia ter sido e não foi.
Mais recentemente, como Presidente da Academia Paranaense de Letras, ele insistiu para que eu me candidatasse a uma vaga de vaga imortalidade. Escapei com a frase do Groucho Marx: “Eu nunca faria parte de um clube que me aceitasse como sócio”. Mas não consegui me livrar de um convite para o almoço da entidade – devo dizer a favor dos acadêmicos que não me cobraram as despesas do restaurante – para falar de meu livro de estreia, 20 anos depois.
Antes de minha palestra, o presidente deliberou sobre os assuntos do dia, entre eles as homenagens póstumas a acadêmicos, recebidas por suas compungidas cônjuges. Ernani, brilhantemente iconoclasta, disparou diante das mesmas:
– Vencido o quesito “viúvas”, vamos ao prato principal.
O autor é escritor e reitor da Universidade Estadual de Ponta Grossa. No Instagram: @sanchesnetomiguel; no Facebook: https://pt-br.facebook.com/miguelsanchesneto/; no Twitter: @miguelsanchesnt.