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Coluna MSN: O verbo voltar

“Só se volta ao que jamais existiu”

Miguel Sanches Neto é escritor e reitor da Universidade Estadual de Ponta Grossa
Miguel Sanches Neto é escritor e reitor da Universidade Estadual de Ponta Grossa -

Da Redação

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Voltar. Verbinho mais mentiroso! Volta-se a algum lugar? Definitivamente não. Os lugares são móveis, estão em expansão ou em retração. Volta-se a alguma pessoa? Jamais. Somos permanentemente outros, não nos reconhecemos nem mesmo no espelho quanto mais nas imagens das redes sociais, sujeitas a filtros e falsificações mil.

Olho uma foto da infância e me pergunto: quem é este outro que me fita desde um tempo que não sei como foi?

E, mesmo assim, voltamos.

Voltamos aos locais do crime que foi a nossa infância.

Quem matou a criança que um dia imaginamos ter sido?

Voltamos à foto ou à imaginação de como éramos quando a tiramos. Impossível é voltar ao corpo que um dia tivemos. Muito menos ao sabor de um determinado beijo. Essas coisas não são reincidentes. E está bem que seja assim. Por isso são memoráveis. Só retemos aquilo que não se repete.

Então por que voltamos?

Para demarcar uma ausência.

Para indicar o que se perdeu.

Para aceitar que não, não somos o que imaginamos ter sido.

Voltamos principalmente porque não se pode voltar.

Neste final de semana, Juliana e eu voltamos ao endereço onde nos conhecemos. Avenida Raposo Tavares - aliás, um bandeirante, como todos os outros, questionadíssimo. Escravizador de indígenas. Destruidor de sociedades autóctones.

No lugar da casa em que Juliana nasceu, cresceu e me inventou, há um seminário. Passamos de carro por estas ruínas memorialísticas. Parar seria uma grande fraude. Aceleramos.

Visitei um amigo daquela outra vida. Hoje, ele e eu colecionamos objetos de nossa juventude. Mas outrora buscamos o presente. Lá no passado, ele me ensinou a ouvir Blitz e Lulu Santos. Envelhecemos, mas não tanto.

Por que voltamos?

Porque ninguém consegue voltar.

Então propomos uma provocação: que o presente entenda o que fomos. Claro, não há interessados em nós. No restaurante em que jantamos, somos desconhecidos. Não visitamos os muitos parentes. É como se não tivéssemos retornado. Alguém pergunta quem somos. Respondemos que fomos e hoje tentamos ser.

E quando deixamos o lugar de nossa existência inicial, é como se pela primeira vez estivéssemos saindo de casa.

O autor é escritor e reitor da Universidade Estadual de Ponta Grossa. No Instagram: @sanchesnetomiguel; no Facebook: https://pt-br.facebook.com/miguelsanchesneto/; no Twitter: @miguelsanchesnt

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