Coluna MSN: Ajuda Moralista

Sempre o encontrava pelas manhãs em um café da Rua XV de Novembro, onde por anos bebi minha xícara de expresso junto a outros madrugadores. Eu começava o meu dia tentando me afastar ao máximo da noite; ele terminava a sua noite, tentando entrar com alguma dignidade no dia dos seres pretensamente úteis e tributáveis.

De poucas palavras, ficava ao nosso lado no balcão, silencioso, esperando que puxássemos conversa. Seus olhos não eram de quem pedia misericórdia, embora estivesse sempre meio sujo, estropiado de aventuras ocultas que o deixaram ali, deslocado entre homens recém-barbeados, banho tomado, roupas limpas.

Morava em pensões, depois de ter abandonado a casa de madeira herdada da mãe. Da mesma idade minha, não tinha um endereço conhecido, porque acabava expulso quando entrava em suas crises de paranoia, talvez pela abstinência de aditivos que tornavam sua existência suportável.

Pagávamos para ele um sanduíche, um salgadinho, um refrigerante. Talvez fizesse assim a sua única refeição do dia, em silêncio, depois seguia para o quartinho onde poderia afogar seu desassossego.

Andarilho urbano, procurava os locais abertos nos horários mais improváveis, como aquele em que nos surpreendia conversando sobre política no fim da madrugada.

Com formação intelectual, tinha um discurso progressista; mas, em uma das eleições, disse que votaria em um velho candidato da elite. Como eu talvez tenha estranhado a decisão, explicou:

    - Cansei de comer na mão da direita e votar na esquerda.

Era um voto pragmático, que mostrava como mesmo uma pessoa esclarecida acaba psicologicamente devedora de favores recebidos.

Mas a sua melhor fala foi quando me pediu uma ajuda em dinheiro. Complementou o pedido, categórico:

    - Sem sanções morais!

Dei-lhe algumas notas e recebi esta lição. Tudo que fazemos para o outro tem que ser “sem sanções morais”. O uso do dinheiro é uma decisão única e exclusiva de quem o recebe.

O autor é escritor e reitor da Universidade Estadual de Ponta Grossa. No Instagram: @sanchesnetomiguel; no Facebook: https://pt-br.facebook.com/miguelsanchesneto/; no Twitter: @miguelsanchesnt