Mães denunciam tortura contra crianças autistas em clínica
Segundo uma mãe, o menino começou a recusar o toque nos órgão genitais, em específico depois que começou a frequentar a fonoaudióloga de Duartina, investigada pela Polícia Civil. Outras mulheres também relatam descaso no atendimento dos filhos.
Publicado: 04/07/2022, 10:01
Segundo uma mãe, o menino começou a recusar o toque nos órgão genitais, em específico depois que começou a frequentar a fonoaudióloga de Duartina, investigada pela Polícia Civil. Outras mulheres também relatam descaso no atendimento dos filhos.
As mães que denunciaram à polícia supostas agressões e torturas contra crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA) em uma clínica particular de Duartina, no interior de São Paulo revelaram como suspeitaram das situações.
Para preservar as crianças, nenhuma das três mães ouvidas pela reportagem será identificada. Além das mães, o g1 conversou com uma ex-funcionária que registrou imagens, áudios e vídeos das crianças durante o atendimento com uma fonoaudióloga e as entregou à polícia.
Contratada como acompanhante terapêutica de um dos meninos atendidos, a funcionária disse que optou por formalizar a denúncia quando viu ele receber um tapa.
“As crianças não estavam tendo atendimento. A fonoaudióloga falava com as mães, mas as crianças ficavam na sala comigo e eu estou cursando psicologia, ainda não tenho esse repertório de fazer o tratamento adequado”, garante.
Quando se deu conta do que estava vivenciando na clínica, a funcionária ressaltou que ficou abalada psicologicamente.
“Quando presenciei a olho nu, eu falei para a minha chefe, a que havia me contratado como acompanhante, que não queria trabalhar mais lá. Ainda fiquei na clínica quase um mês pra registrar esses momentos. O que eu presenciei nunca vou tirar da cabeça. Não tem sentimento pior. Fiz tudo pelas crianças”, finalizou.
O celular da funcionária foi apreendido pela delegacia que investiga o caso. De acordo com o delegado Paulo Calil, as filmagens feitas com o aparelho foram encaminhadas para perícia para serem avaliadas. O laudo dos vídeos deve ser emitido ainda nesta semana.
O delegado também disse que apura o crime de tortura, que se comprovado é inafiançável.
Diagnóstico duvidoso
Uma das mães ouvidas pelo g1 afirma que suspeitou do comportamento alterado do filho, de 2 anos, após consultas com uma fonoaudióloga da clínica que começaram no dia 8 de junho de 2021.
Na época, ela procurou atendimento quando percebeu que o menino não desenvolveu a fala, além de se alimentar apenas com comidas específicas. Depois de levar o filho à consulta, foi recomendado pela fonoaudióloga, segundo a mãe, que levasse o menino a um neurologista pediátrico.
Assim foi feito, em 15 de junho de 2021, e o menino foi diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA) em grau leve para moderado pelo neurologista, também particular. A partir daí, a mulher começou a levar o filho em consultas regulares com a fonoaudióloga para que o acompanhamento fosse iniciado.
“Toda sexta-feira, meu filho ia à terapia com a fonoaudióloga e com a terapeuta ocupacional. Nós não tínhamos acesso às terapias, eram reservadas. Nesse tempo não observamos nada de anormal”, conta.
Em paralelo a isso, a mulher explicou que foi orientada a levar o filho à Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) de Garça (SP), em julho de 2021. No local, ele também começou a ser acompanhado por fonoaudiólogas, psicólogas e terapeutas ocupacionais.
Pela APAE trabalhar com outro método de acompanhamento que não o ABA (Análise de Comportamento Aplicada - em português) , como utilizado previamente pela fonoaudióloga da clínica particular, os profissionais recomendaram que a mãe escolhesse um dos locais para tratamento do filho, a fim de não confundi-lo.
“Quando ele entrou na APAE eu percebi um avanço muito grande. Antes, ele não conseguia lidar com nada, mas melhorou o lado sensorial. Ele ainda não é 100% verbal, não entendemos muita coisa, mas tem melhorado muito. Ele já fala ‘mamãe’ e ‘papai’, por exemplo”, recorda.
As profissionais da APAE emitiram um relatório, encaminhado ao g1 pela mãe, com apontamentos de melhora no tato, no sensorial e, principalmente, na fala.
Inclusive, a mãe conta que chegaram a cogitar uma nova consulta com outro neurologista para comprovar o diagnostico de TEA, já que poderiam ter diagnosticado o esterotipismo de autista de forma precipitada.
Dessa vez em consulta com uma neurologista pediátrica da Universidade Estadual Paulista (Unesp), foi levantada a hipótese de ser apenas um atraso de fala, com recomendação de que o paciente continue o atendimento periódico, além do acompanhamento com a APAE.
“Na primeira consulta, a médica falou que não fecha o diagnóstico para autismo antes dos 3 anos. Meu filho tinha 2 anos e 8 meses, mas na observação ela falou que ele não possui características para o autismo”, comenta.
Assim que o filho completou 3 anos, a mulher afirmou que o encaminhou à uma pediatra na Unidade Básica de Saúde (UBS) para consulta de rotina. Na ocasião, o menino se incomodou quando a médica examinou seus órgãos genitais.
Segundo a mãe, o menino começou a recusar o toque nos órgão em específico depois que começou a frequentar a fonoaudióloga da clínica particular de Duartina, sem razão aparente, até então.
Assim que percebeu essa alteração de comportamento, outras mães também entraram em contato com ela com relatos parecidos (veja abaixo outros relatos).
A mãe contou também que o delegado responsável pelas investigações do caso, Paulo Calil, a orientou a encaminhar o menino para psicóloga.
Essa, por sua vez, recomendou que a mãe gravasse um vídeo em que pergunta ao menino a respeito do órgão genital, relacionando ao período que foi atendido pela fonoaudióloga, na tentativa de descobrir o que motivou a recusa.
Veja o vídeo e mais informações em G1