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Coluna Fragmentos: Uma caixinha de surpresa!

A coluna ‘Fragmentos’, assinada pelo historiador Niltonci Batista Chaves, publicada entre 2007 e 2011, retorna como parte do projeto '200 Vezes PG', sendo publicada diariamente entre os dias 28 de fevereiro e 15 de setembro

Matéria sobre a Pontagrossense, publicada pelo JM em 28 de janeiro de 1971
Matéria sobre a Pontagrossense, publicada pelo JM em 28 de janeiro de 1971 -

João Gabriel Vieira

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Há algum tempo os esportes de modo geral tornaram-se objetos de estudo de antropólogos, sociólogos e historiadores, que passaram a interpretá-los e compreendê-los além do campo da simples disputa esportiva. A percepção dessas práticas como mera alienação faz parte do passado. Intelectuais cultuados nos meios acadêmicos, como Norbert Elias, Antonio Gramsci e Eric Hobsbawm, já produziram estudos que reavaliam a função dos esportes, em especial o futebol, nas sociedades contemporâneas.

Para o inglês Hobsbawm, considerado por muitos como maior historiador da atualidade, o surgimento dos esportes, sobretudo o futebol, foi fundamental para o processo de fortalecimento dos nacionalismos contemporâneos. Segundo ele “o esporte como um espetáculo de massa foi transformado numa sucessão infindável de contendas, onde se digladiavam pessoas e times simbolizando Estados-nações, o que hoje faz parte da vida global.” No campo jornalístico, esse pressuposto está contido, por exemplo, na célebre exaltação à “pátria de chuteiras” de Nelson Rodrigues.

Muito mais do que uma prática de lazer despolitizada e alienada, o futebol adquiriu, desde suas origens, um caráter de representatividade dos povos europeus e, subliminarmente, foi utilizado para tentar provar, sem sucesso, a superioridade racial ou política de muitas nações do Velho Continente.

Ao chegar ao Brasil pelos pés de Charles Miller no final do século XIX, o futebol encontrou um país arrebatado por uma verdadeira febre esportiva, a ponto de Machado de Assis escrever em uma de suas crônicas que o Brasil havia se transformado em uma “civilização esportiva”. O famoso literato escrevera isso com base na difusão de práticas esportivas como a ginástica, as corridas, as lutas greco-romanas, os rinques de patinação, os estandes de tiro, o boxe etc. que se multiplicavam pelos principais centros urbanos nacionais.

A abertura do século XX em nosso país veio acompanhada da noção de que o engajamento corporal era capaz de levar o homem a sua plena realização física, moral e mental. Nicolau Sevcenko, um dos historiadores brasileiros mais respeitados atualmente, assim descreveu o impacto das práticas esportivas em nossa sociedade entre o final do século XIX e início do XX: “A educação física se torna obrigatória nas escolas, mas as pessoas se exercitam voluntariamente em academias, associações atléticas e na sua própria casa. Vicejam os filmes de ação e aventura, os thrillers, os westerns, as histórias em quadrinhos, os desenhos animados, os livros de bolso com histórias de detetives, de espionagem e de guerra. Os clubes pululam, com o destaque para o futebol, mas envolvendo todos os esportes. As modas mudam para se tornar esportivas, leves, curtas, coladas ao corpo, expondo amplas formas torneadas do físico.”

Foi em meio a esse panorama que o futebol chegou a Ponta Grossa, que no alvorecer do século XX já havia se urbanizado e se apresentava suficientemente pronta para se inserir na chamada modernidade capitalista. Principal centro urbano do interior paranaense, a cidade possuía cinemas, automóveis que circulavam ininterruptamente por suas ruas calçadas e iluminadas, praças, o Jóquei Clube, comércio variado, cafés etc.

Todos os dias centenas de pessoas desembarcavam em solo princesino, trazidas pelas ferrovias. Foi por meio dos trilhos do trem que o futebol chegou a Ponta Grossa. Mais do que isso, a dobradinha ferrovia e futebol acabou por legar à cidade uma de suas maiores e mais duradouras paixões coletivas: o Operário Ferroviário Esporte Clube, fundado em 1º de maio de 1912, e que até hoje reina absoluto no coração dos torcedores locais.

Ao longo de um século de história em gramados ponta-grossenses, o futebol gerou rivalidades e inimizades irreversíveis, produziu fortes paixões, construiu ídolos e lendas, gerou alegrias coletivas e tristezas profundas. Mais do que tudo isso, criou costumes e hábitos, pois, como escreveu o jornalista carioca Mário Filho: “o futebol, aos domingos, prolongava aquele delicioso momento de depois da missa.”

Até os dias atuais, a cada jogo do Operário Ferroviário no Germano Kruger, ainda é possível sentir e perceber um pulsar diferente nas ruas da cidade. Bandeiras se agitam, emissoras de rádio que transmitem a partida são ouvidas por todos os lados, e os raros gritos de gol do “Fantasma da Vila” – é, o futebol parece mesmo ser uma “caixinha de surpresa” – ainda provoca uma sensação coletiva de felicidade e bem estar geral. 

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O material original, com mais de 170 colunas, será republicado na íntegra e sem sofrer alterações. Por isso, buscando respeitar o teor histórico das publicações, o material apresentará elementos e discussões datadas por tratarem-se de produções com mais de uma década de lançamento. Além das republicações, mais de 20 colunas inéditas serão publicadas. Completando assim 200 publicações.

Publicada originalmente no dia 23 de março de 2008.

Coluna assinada por Niltonci Batista Chaves. Historiador. Professor do Departamento de História da Universidade Estadual de Ponta Grossa. Doutor em Educação pela Universidade Federal do Paraná.

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